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Governo federal prepara resolução que deve barrar desmatamento no Pantanal

Conama já tem minuta pronta para tornar sem efeito decreto de 2015 que "afrouxa" exigências para suprimir vegetação do bioma

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Desmatamento no Pantanal aumentou de 2015 para cá 

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) deve publicar nos próximos dias resolução que praticamente tornará sem efeito a legislação dos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso que tem permitido um aumento nos índices de desmatamento do Pantanal, conforme apurou o Correio do Estado com exclusividade.

De acordo com a minuta que já foi redigida pelo Conama e que depende de aprovação do conselho, a supressão da vegetação nativa do Pantanal ou o uso alternativo do solo do bioma deverão considerar estudos científicos conclusivos que abordem aspectos como diversidade das paisagens e ecossistemas; diversidade das espécies (em particular as ameaçadas de extinção); fitofisionomias e ambientes aquáticos raros; diversidade de solos e fauna associada; regime hídrico e pulsos de inundação; ciclo reprodutivo das espécies; ecossistemas e espécies vegetais importantes para a reprodução de espécies da fauna; ambientes aquáticos importantes para a conectividade das paisagens; e a presença dos povos indígenas, entre outras exigências.

A minuta da resolução do Conama ainda aponta que a inexistência ou a não utilização de estudos atuais e consistentes com esses parâmetros citados, realizados por instituição oficial de pesquisa de renome nacional, devem ser motivos para a suspensão imediata e temporária por parte dos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso da vigência de autorizações de supressão de vegetação nativa ou de uso alternativo do solo.

O documento que está sendo preparado pelo Conama é apenas a primeira das medidas que vêm sendo tomadas pelo governo federal para organizar a ocupação do solo do Pantanal, depois que monitoramentos realizados por órgãos oficiais, como o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), além da organização SOS Pantanal, verificaram uma disparada do desmatamento no bioma de outubro de 2015 para cá, quando o Decreto nº 14.273, do ex-governador Reinaldo Azambuja (PSDB), estabeleceu o que esses órgãos chamaram de “legislação permissiva” para a ocupação do Pantanal.

 DECRETO COMPRADO

O decreto foi baseado em um estudo realizado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), unidade da Universidade de São Paulo (USP), mas que foi pago pela Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul).

O decreto permite a supressão de 60% da mata nativa não arbórea das propriedades pantaneiras e de 50% da vegetação arbórea, não prevendo regra nenhuma para a proteção dos planaltos da Bacia do Alto Paraguai.

O estudo que baseia o decreto não é reconhecido como oficial nem pela USP nem por sua unidade, a Esalq. Ambas admitiram, em inquérito aberto pelo MPMS, sob recomendação do Ministério do Meio Ambiente, que esse estudo é objeto de um contrato.

A Nota Técnica do Ministério do Meio Ambiente nº 1.520, que determinou a confecção da minuta que deve tornar sem efeito as licenças de desmatamento emitidas pelo Imasul de 2015 para cá, já foi divulgada pelo Correio do Estado em outras reportagens.

“O incremento médio do desmatamento no Pantanal sul-mato-grossense testemunhou um avanço de 37.465 hectares, entre 2009 e 2015, para 48.264 hectares, entre 2016 e 2021 (alta de 28,8%), com o maior valor da série histórica sendo registrado em 2021, quando atingiu 74.765 hectares e representou 90,7% do desmatamento ocorrido no bioma (em 2021, foram desmatados 7.682 hectares no Pantanal situado no estado de Mato Grosso)”, aponta a nota técnica do ministério comandado por Marina Silva, com data de 3 de agosto e à qual o Correio do Estado teve acesso.

“Vale notar que os saltos recentes do ritmo do desmatamento coincidiram com a publicação do Decreto Estadual nº 14.273/2015 e da Estadual nº 11.861/2022, em Mato Grosso do Sul e em Mato Grosso, respectivamente”, complementa o documento assinado pelo coordenador-geral do Departamento de Ordenamento Ambiental Territorial, Bruno Siqueira Abe Saber Miguel, e pelo diretor do Departamento de Políticas de Controle de Desmatamento e queimadas, Raoni Guerra Lucas Rajão.

AVAL DA AGU

A revisão na legislação sul-mato-grossense, considerada permissiva para os ambientalistas, é respaldada por parecer jurídico da Advocacia-Geral da União (AGU).

“A inconsistência dos critérios técnicos adotados pelo Decreto nº14.273/2015 possibilita, como dito, um desmatamento superior ao ambientalmente tolerável, claro está que o regulamento estadual destoa do objetivo de interesse público positivado no art. 10 do Código Florestal, que é manter a supressão de vegetação nativa nos pantanais em bases ecologicamente sustentáveis”, indica o parecer assinado pelo procurador federal Daniel Otaviano de Melo Ribeiro.

“Para além disso, os parâmetros utilizados pelo estado de Mato Grosso do Sul para autorizar a supressão de vegetação nativa em seu Pantanal devem ser revisitados também, em razão do longo tempo decorrido desde a publicação do Decreto nº 14.273/2015, quando a conjuntura e, sobretudo, os índices de desmatamento eram bastante deferentes dos atuais”, acrescenta.

No que diz respeito à competência federal para atuar em relação ao decreto estadual, o procurador da AGU ainda salienta que a Constituição eleva o Pantanal a “patrimônio nacional” e “bioma especialmente protegido”.

O IMASUL E AS FAZENDAS

O decreto de Reinaldo Azambuja de 2015 não foi aceito de forma passiva por alguns órgãos de fiscalização. Em Corumbá, o MPMS chegou a ingressar com algumas ações civis públicas contra autorizações do Imasul para a supressão vegetal em fazendas no Pantanal sul-mato-grossense.

Na maior das ações, o Ministério Público saiu derrotado, em uma disputa em que o chefe do Executivo teve de lançar mão de uma ação rara que lhe é facultada: o pedido de suspensão de liminar (PSL).

Reinaldo Azambuja fez isso no fim da década passada, após a liminar pleiteada pelo MPMS contra autorização dada pelo Imasul ao fazendeiro de Maracaju Élvio Rodrigues, dono da Fazenda Santa Mônica, foi concedida em primeira e segunda instâncias.

Na época, não restou outra alternativa ao mandatário do governo estadual a não ser endereçar uma ação direta ao presidente do Tribunal de Justiça, a fim de que suspendesse a liminar e liberasse a supressão de 20 mil hectares de mata nativa da propriedade.

Mais recentemente, uma ação civil pública daquela época, contra a Majora Participações Ltda., dona da Fazenda São Sebastião, também no Pantanal, foi julgada parcialmente procedente. A autorização do Imasul para desmatar mais de 10 mil hectares foi considerada ilegal pelo juízo de primeira instância.


A empresa, curiosamente, não se defendeu no processo. Nem precisou: a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul, ao atuar em favor do Imasul, apelou da decisão e até pediu, em outro processo ajuizado em 2020, que os efeitos do mesmo PSL que liberou o desmatamento na Fazenda Santa Mônica fossem estendidos à Fazenda São Sebastião. Esse processo ainda deve ser decidido em segunda instância.

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