.Cinco trabalhadores paraguaios foram resgatados de condição semelhante à escravidão em uma propriedade rural localizada em Nova Alvorada do Sul, a 120 quilômetros de Campo Grande, na segunda-feira (5).
Uma das vítimas, de 22 anos, é da cidade de Yby Yaú, no Paraguai. O jovem estava acompanhado do irmão, de 17 anos, e contou que o grupo foi recrutado no país vizinho, em 2021. Ele trabalhava no carregamento de lenha e na operação de trator, porém sem o devido treinamento nem habilitação, entre 5h e 18h, com duas horas de intervalo, de domingo a sexta-feira.
O grupo utilizava como alojamento barracos de lona improvisados pelos próprios trabalhadores no meio da mata e recebia cerca de R$ 3,50 por metro cúbico de lenha carregada, o que correspondia a aproximadamente R$ 1,3 mil por mês. Como não havia instalações sanitárias no local, os trabalhadores usavam um buraco no mato para fazer as suas necessidades fisiológicas. A água para consumo e higiene das vítimas era retirada de um poço artesiano da fazenda e estava completamente turva no momento do resgate.
Ainda segundo a vítima, parte da comida fornecida pelo intermediador da mão de obra era cobrada de cada trabalhador - o que representava em torno de R$ 250 a R$ 300. Com isso, segundo ele, sobrava apenas R$ 1 mil para cada estrangeiro. O grupo também nunca recebeu 13º salário nem equipamento de proteção individual ou treinamento para manuseio e operação segura dos maquinários.
Outra testemunha ouvida pelo procurador do Trabalho Paulo Douglas Moraes disse que trabalhava para o empregador há pelo menos três anos no serviço de corte de eucalipto, sendo que ao longo desse tempo nunca teve o registro das suas atividades em carteira de trabalho. Segundo ela, a remuneração média é de dois salários mínimos por mês, valor que pode variar conforme a produção do período.
A testemunha relatou que ficou encarregada de recrutar, a pedido do patrão, os cinco trabalhadores paraguaios resgatados. E que, recentemente, um dos estrangeiros foi vítima de acidente de trabalho e levado até a Santa Casa de Campo Grande.
Além do procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, integraram a força-tarefa representantes do Ministério do Trabalho e Emprego e da Polícia Militar
Acordos para ajuste de conduta
Como resultado da ação, foram firmados três Termos de Ajuste de Conduta (TACs) entre as partes envolvidas. Esse instrumento fixa obrigações de fazer e de não fazer, que deverão ser cumpridas pelo proprietário da fazenda e pelo intermediador da mão de obra, sob pena de aplicação de multas que podem chegar a R$ 6 mil, por trabalhador prejudicado.
Entre as 17 obrigações assumidas pelas partes, nos dois primeiros acordos, destacam-se: não admitir ou manter empregado sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente; abster-se de manter trabalhador com idade inferior a 18 anos laborando em atividades perigosas, insalubres e no período noturno, bem como em atividade inserida na “Lista TIP – Piores Formas de Trabalho Infantil”; abster-se de manter empregado ou qualquer outro tipo de trabalhador laborando sob condições contrárias às disposições de proteção do trabalho, quer seja submetido a regime de trabalho forçado, quer seja reduzido à condição análoga à de escravo; fornecer, gratuitamente, aos trabalhadores rurais equipamentos de proteção individual; disponibilizar água potável e fresca nos locais de trabalho, em quantidade suficiente e condições higiênicas, entre outras.
Além dos cinco paraguaios resgatados na propriedade rural em Nova Alvorada do Sul, a força-tarefa constatou que outros seis trabalhadores brasileiros estão vinculados ao intermediário da mão de obra. Diante disso, ele firmou um terceiro acordo, junto ao Ministério Público do Trabalho, por meio do qual se comprometeu a registrá-los retroativamente, conforme a data de admissão, salário e função atribuídos para cada empregado.
Nesse terceiro acordo, tanto o proprietário da fazenda quanto o intermediário da mão de obra assumiram a responsabilidade de quitar as verbas rescisórias dos trabalhadores resgatados, providenciar a regularização da documentação – para fins de prestação de serviços no Brasil, assim como garantir hospedagem, alimentação e meios necessários para o retorno deles à origem.
A título de compensação por dano moral individual, as partes assumiram a responsabilidade de indenizá-los com uma quantia total superior a R$ 195 mil. Os valores foram calculados entre 20 e 50 vezes o salário de cada trabalhador.
No âmbito coletivo, ficou ajustada indenização de R$ 50 mil, parcelada em cinco vezes e que será destinada ao Conselho do Trabalho Decente e Enfrentamento ao Trabalho Infantil, ao Tráfico de Pessoas e ao Trabalho em Condições Análogas a de Escravo.